É possível que a gente passe grande parte da vida buscando
conhecer a si mesmo. Falo por mim, que empenhei grande parte do meu tempo
nesses últimos anos, pelo menos os últimos 10 com certeza, buscando entender
melhor meu cerne, minha essência. Mas pensando bem, talvez o melhor exercício
de auto-conhecimento que podemos fazer em certo ponto da vida, quando ainda não
é muito tarde, seja olhar pra trás e rememorar nossa época de criança. Aquele período
da nossa infância em que a gente via o mundo com tanta inocência, que tudo
parecia cercado de uma aura mágica, e o que a gente mais queria era entender
como as coisas funcionavam, sempre através do filtro dos valores que nossos
pais estavam tentando nos transmitir.
Se você tem pais tão maravilhosos quantos os meus, deve ter
sido uma época cheia de alegria, quando tudo era pintado com as cores do
carinho com que éramos embalados todos os dias. Eu tinha certeza que minha mãe
era a mulher mais linda que eu já tinha visto, com aqueles olhos azuis tão
profundos que me deixavam hipnotizada. Achava meu pai o mais descolado, com
seus discos de rock, ou ouvindo Zé Ramalho e tomando cerveja perto do quadro do
Charles Chaplin. Minhas avós, é claro, era feita de algodão doce e brigadeiro,
de tão amorosas! E meu avô era o homem mais bondoso da face da Terra, a
presença de toda sabedoria que alguém podia ter! Era também com esse olhar de
ternura que pensava no meu irmão, mais novo do que eu, como uma pessoinha que
também era minha. Afinal, eu era a irmã mais velha e tinha que cuidar dele! Era
tudo tão bom, todo mundo era tão legal, que cada pessoa trazia uma alegria
diferente, uma empolgação, só de estar por perto.
E os dramas da vida de criança eram os mais inusitados:
esperar mamãe chegar da escola sentada na escada, naquelas horas intermináveis
que não passavam nunca! Pedir pro papai pra ir na casa da Dindinha e não saber
se ele deixaria. Sofrer por antecipação pelo ralado na perna daquele tombo de
bicicleta que ia arder pra caramba na hora do banho. Ficar ansioso a tarde
inteira pra saber se de noite a gente poderia dormir na sala pra ver TV até
tarde.
Aí você para e pensa: o que daquela criança ainda existe em
mim? Provavelmente muita coisa... Ainda acho que minha mãe é a mulher mais
linda do mundo, que meu pai é o cara
mais descolado, que minha avó Maria, que já se foi, era feita sim de algodão
doce, e provavelmente minha vó Zinha é feita de brigadeiro, e que certamente
meu avô Flávio, que me deixou há tão pouco tempo, foi sem sombra de dúvidas o
homem mais bondoso da face da Terra. Quanto ao meu irmão, ele realmente é uma
pessoinha que também é minha, e eu faço questão de cuidar dele até mesmo quando
formos dois velhinhos rabugentos.
Só não consigo achar mais que todo mundo é assim tão legal. Mas
isso, eu acho, não era a Danielle criança que era muito inocente, é que as
pessoas eram realmente mais legais com ela, afinal ela era só uma menina
pequena.
E quanto aos dramas da vida, eles ficaram mais difíceis de
manejar, maiores, mais pesados, mas eu também fiquei mais forte. Aprendi que
uma menininha chorona não teria chance nesse mundo, e dei um jeito de tentar
entender que você tem que escolher bem pelo que você vai sofrer. E aí que entra
o auto-conhecimento, o desejo de se conhecer: você só vai saber pelo que deve
chorar, se lamentar ou lutar com unhas e dentes se entender o que é realmente
importante pra você.
Quanto àquela garotinha, eu deixo que ela venha à tona em
alguns momentos, mas ela entende que o melhor lugar pra ela é nas doces e
nostálgicas lembranças da infância.
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