terça-feira, 7 de julho de 2009

Ela falou primeiro com o que estava a sua direita:

- Você! – ela apontou – De todas as minhas satisfações e frustrações, você foi o pior e o melhor, o mais intenso que podia haver. Surpreendentemente, seu saldo foi positivo, mas foi bom que tenha terminado. Aquela bagunça toda era desgastante. Pronto, era só isso. Você já pode ir.

- Agora você... – o que estava à esquerda era mais difícil de encarar – Fico feliz que você esteja novamente ao meu lado,mesmo que seja desse seu jeito ocasionalmente presente. Mais quando você fica sozinho, menos do que eu gostaria ou precisaria. Espero que as coisas estejam tão claras e tranquilas pra você como estão pra mim. Fico plenamente satisfeita com essa nossa amizade, eu sendo super-sincera com você e não tendo medo de te falar qualquer coisa. Obrigada por estar aqui.

Ela pensou em quem seriam os próximos da lista para uma conversa imaginária franca, mas lembrou que a fila seria muito grande, então simplesmente olhou para o espelho. Os dois já não existiam ao seu lado e o único reflexo que ela podia ver era de uma mulher razoavelmente bonita. Uma ligeira surpresa, já que ela não estava totalmente certa das melhorias em sua auto-estima. Mas sim, ela era bonita. E havia amadurecido, pra reconhecer essas e outras qualidades. Ela também poderia ser engraçada, ter um senso de humor próprio, meio excêntrico, mas que agradava às pessoas mais próximas, aquelas que realmente interessavam. Inteligência também poderia entrar na lista, nada tão extraordinário, é claro, mas o suficiente pra ela conseguir muito do que queria profissional e academicamente até agora (descontando o fato de alternar períodos de empolgação intelectual com períodos de inércia mental, mas isso não era o suficiente pra que ela não se orgulhasse de sua capacidade cognitiva).

Depois de tanto tempo, estar novamente às voltas com auto-análises não era tão ruim como ela pensou que seria. Olhar-se dessa forma no espelho e ressaltar algumas boas características era saudável, pensar em como não havia motivos para ela querer uma vida diferente. Imaginar que nenhum problema ou nenhum falta de novidade seriam capazes de arrefecer seu ânimo ou vergar sua paciência em esperar o ano que estava por vir. Um turbilhão de mudanças, aliado ao medo do desconhecido, poderiam dobrá-la ao meio de ansiedade, mas até essa porção sua estava bem domada. O pouco de insegurança que vinha à tona vez por outra apenas servia pra reforçar suas crenças e fazê-la olhar para todas as direções de sua vida. O passado, seja ele recente ou uma mera lembrança longínqua, não deveria ter sido diferente, todos os erros a tornavam o que ela era hoje, e ela estava momentaneamente satisfeita consigo mesma. O futuro era desafiador, e isso a agradava ainda mais, pois, mutante como era, ansiava pelas novas mudanças, e via seu caminho bem traçado, com uma divisória bem marcada: a formatura. Ela se sentia caminhando morro acima para a beira do penhasco; o caminho, inicialmente tão íngreme, agora estava aplainando, e ela sabia que isso era porque o fim da trajetória estava próximo. E isso nos leva a pensar no presente, na caminhada; tudo era agradável e belo nesse final, alguns percalços aqui e ali, um pouco da ansiedade às vezes a fazia querer correr e pular logo, mergulhar de vez no ar, mas ela sabia que isso era besteira, que na hora certa ela pegaria o impulso e se jogaria de vez. Uma certeza ela tinha: não tentaria parar na beira do penhasco para espiar, não havia o que temer da queda, ela seria fisicamente inócua. Mas Deus é quem sabe no que resultará esse salto. E isso é o que importa. Não importa que ela não saiba, pois seu grande trunfo sempre foi a confiança, e talvez o único erro de que ela realmente se arrependa de ter cometido foi, em algum momento, não confiar plenamente.

Um comentário:

Méia. disse...

Gostei muuito! Muito mesmo. (: